O “Golpe do Motoboy” e a responsabilidade solidária das instituições financeiras, operadoras de cartão de crédito e empresas de telefonia.

A era digital (ou era da informação) constitui verdadeira revolução na história da humanidade. Esse fenômeno transformador, marcado pela essencialidade da tecnologia e informação, continua trazendo diversos avanços para as relações humanas, seja para a comunicação de informações ou na forma de fazer negócios.

Os benefícios trazidos pela era digital são incalculáveis, todavia, tais avanços tecnológicos também trouxeram consigo algumas mazelas, dentre as quais, é possível destacar o surgimento de uma nova modalidade de crime: o crime cibernético.

O crime golpe digital, consiste em atividade criminosa que possui como alvo um meio com um computador, a rede de computadores ou dispositivos ligados em rede. Esta modalidade de crime cresceu nos últimos anos, especialmente após o advento da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2). Segundo informações do FORTINET, empresa especializada em segurança da informação, apenas em 2020, foram realizadas cerca de 8,4 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos no Brasil.

O avanço do cibercrime é refletido nas estatísticas. O avanço da tecnologia e o uso crescente de canais digitais viabilizaram o surgimento de novas fraudes com uma antiga estratégia de extorsão. Segundo levantamento realizado pela Federação Nacional de Bancos – FEBRABAN, as instituições registraram 3,4 milhões de tentativas de fraude no primeiro semestre de 2020. O número representa aumento expressivo em relação ao mesmo período do ano anterior.

Dentre as principais fraudes digitais existentes, temos, por exemplo, duas polêmicas: as primeiras são instituições financeiras, a segunda são instituições bancárias e a terceira são instituições financeiras que sofrem fraudes. Um exemplo claro disso é o “golpe do motoboy” e o whishing, um tipo de golpe de whishing que se dá na telefonia.

Entenda o modus operandi dessa conhecida fraude bancária:

1º Passo: O estelionatário (munido de todos os dados pessoais do cliente) liga para o consumidor bancário (preferencialmente idoso) para alertá-lo sobre a existência de transações suspeitas em seu cartão de crédito. O golpista, que se passa por funcionário do banco, orienta a vítima a realizar um procedimento para contestar as transações não reconhecidas e realizar o cancelamento do “cartão clonado” por meio de ligação para a central de relacionamentos.

2º Passo: Assustado, o consumidor liga na central de relacionamentos do banco (número informado no verso do cartão) para iniciar o procedimento supracitado. Durante a ligação, os estelionatários interceptam a chamada e a direcionam para um call center falso (alheio ao utilizado pelas instituições financeiras).

3º Passo: Após o direcionamento da chamada, o consumidor é induzido, pelo robô da falsa central, a digitar os seus dados bancários (CPF, número do cartão, senhas, etc.) Nesse momento, os golpistas solicitam à vítima o seu cartão para fins de utilização de um software que reverte os números digitados.

4º Passo: O consumidor é atendido, na sequência, por um integrante da quadrilha que também se passa por funcionário do banco. O falso preposto confirma que o consumidor foi vítima de uma fraude e que seu cartão será cancelado. Para isso, o cliente precisará entregar o seu cartão para um motoboy designado pelo departamento de fraudes da instituição financeira.

5º Passo: O motoboy comparece na residência da vítima (mesmo sem prévia indicação de endereço) e recolhe o “cartão clonado”. Na sequência, munido de todos os dados do consumidor, além do cartão da vítima, os estelionatários realizam diversas transações bancárias, em curto espaço de tempo, até o limite do cartão.

A dúvida que persiste em muitas pessoas é se a instituição financeira poderá ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela vítima do golpe bancário em questão. Outras questões relevantes surgem: Existe algum dever de solidariedade entre as instituições financeiras e/ou as operadoras de telefonia móvel na reparação do dano sofrido pelo consumidor?

As respostas para tais questionamentos estão contidas nos diversos fóruns de jurisprudência. O entendimento predominante em nossos tribunais superiores é que as instituições financeiras são solidárias responsáveis pela prática de atos relacionados à criminalidade cibernética.

A causa de agir contra o cliente bancário e a instituição financeira é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois todos são fornecedores de produtos e serviços, conforme define o artigo 3º da referida norma (art. 2º, CDC) e fornecedora (art. 3º, CDC)1. A natureza consumerista também é afirmada no entendimento sumulado 297 do Superior Tribunal de Justiça (art. 3º, CDC)².

A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços é objetiva (independente de culpa) e decorre da teoria do risco da atividade (art. 14, CDC)³. O serviço ofertado pelos fornecedores, inclusive o fornecedor bancário, será defeituoso quando não oferecer a segurança que o consumidor pode dele esperar (art. 14, §1º CDC)4.

A súmula 479/STJ explica a ocorrência de fraude bancária e fortuito interno, circunstância incapaz de afastar a responsabilidade da instituição financeira por não se tratar de serviços autoprestados (interna corporis)³.

Diante das razões jurídicas expostas, pode-se afirmar que as instituições financeiras, na condição de fornecedora de serviços, respondem, independentemente da existência de culpa, pelos riscos do empreendimento, vinculados ao fornecimento do produto, quer na prestação de serviços internos ou aos serviços oferecidos a terceiros. Nesse sentido, é o entendimento predominante do Tribunal de Justiça do Distrito Federal5.

A responsabilidade pela reparação dos prejuízos não será exclusiva da instituição financeira, pois o CDC prevê a responsabilidade solidária entre os fornecedores (art. 7º, Parágrafo Único, CDC)6. No caso do golpe do motoboy, é possível afirmar que as empresas de telefonia e administradoras de cartão de crédito também possuem responsabilidade pela prática do whishing, e respondem solidariamente pela reparação do prejuízo.

A vítima do whishing também poderá pleitear indenização por danos morais. Todavia, a análise do cabimento desta indenização que deverá ser realizada à luz das circunstâncias do caso concreto.

Pelo exposto, em caso de prejuízos ou dúvidas acerca de seus direitos, busque a orientação jurídica para buscar a reparação da integralidade dos prejuízos sofridos, bem como, avaliar a possibilidade de obter indenização por danos morais.


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https://www.fortinet.com/br/corporate/about-us/newsroom/press-releases/2021/latin-america-suffered-more-than-41-billion-cyberattack-attempts-in-2020

https://portal.febraban.org.br/noticia/3522/pt-br/

Súm. 297/STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido.

  1. Súmula 479-STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias

(Acórdão 1335233, 070002318200780011, Relator: ESRAS NEVES, , Relator Designado: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA 6ª Turma Cível, data de julgamento: 17/3/2021, Publicado no PJe: 25/3/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

§ Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

  1. (Acórdão 1017276, 20161110011530APC, Relator: JOSAFÁ FRANCISCO DOS SANTOS, 5ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 21/6/2017, publicado no DJE: 23/6/2017. Pág.: 824/844)

(Grifou-se) Com efeito, a linha telefônica do autor permanentemente bloqueada durante o ocorrido a pedido dos estelionatários, assim como a companhia telefônica também não apresentou assistência adequada ao desbloqueio das solicitações de inversos que não o titular da linha telefônica. Sentença (ID. 7590987) e Proc. 0732396-34.2020.8.07.0001

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